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30 de out. de 2012

I Seminário da Região Sul de Tradições de Matriz Africana e Saúde: A Produção de Saúde e o Combate ao HIV/AIDS, Tuberculose e Hepatite Virais pelos Terreiros/as

            O empreendimento colonialista para além das pilhagens de que se tem conhecimento, significou a instalação de virulências de naturezas diversas, sobressaindo-se, as de ordens política em que antagonismo sócio-cultural foi pedagogicamente trabalhado entre os grupos étnicos de forma a potencializar diferenças não significativas (Cf. Wlly Lynch), bem como a de cunho sanitário devido as inoculações sejam materiais e simbólicas introjetadas nos imaginários, assim disseminadas através da dispersão transatlântica como dos séculos. Como num continuum tais mecanismos complexificam-se face à dinâmica da “colonialidade” que funciona como organismo que hospeda e nutre tais virulências contemporaneamente.     

            A modernidade, “ligada à ideia de nação”[1] e como “fenômeno exclusivamente europeu”[2],  instaurou a cultura da violência e da morte, produzindo genocídios e massacres em massa de populações colonizadas, assim como incutiu comportamentalidade suicida que tem se traduzido tanto material como simbolicamente por conta da perspectiva de vida introjetada nos “condenados da terra” (Frantz Fanon). Nesta direção, verdadeiros ingredientes e mecanismos produtores de doença e redutores de vida tem atingido seres humanos que se inscrevem num dado perfil como num quadro das vulnerabilidades com seus componentes sociais de acordo com Lopes (2003)[3] e seus interlocutores/as em se tratando do HIV/AIDS.

            De acordo com Lopes (2003, p. 1) “para além das conexões aids-subdesenvolvimento; aids-pobreza; aids-insegurança/instabilidade econômica que estão subtraindo vidas, chama a atenção a perda de vidas femininas. Por diversas razões, tais como a falta de poder, falta de informação e acesso aos recursos preventivos, exploração sexual por razões comerciais, a proporção de mulheres vivendo com HIV/AIDS vem aumentando contundentemente […]”.  Ao se deter a definição de vulnerabilidade, a autora citada chama  a atenção para a implicabilidade entre vulnerabilidade e raça como constatação persistente seja nas pesquisas acadêmicas, nos dados da vigilância epidemiológica como nos atestados de óbitos.

            Localizados nas periferias dos centros urbanos em meio às populações socialmente vulneráveis, as/os Terreiros/as historicamente funcionaram a assim continuam como verdadeiros "equipamentos sociais". Neste sentido incidem na sociedade brasileira e gaúcha de forma a desafogar e significativamente os serviços públicos que envolvem o bem estar social, notadamente, no que diz respeito à saúde pública. Edson Carneiro ao dissertar sobre  Omolu como o médico dos pobres  e a situação da saúde da população negra e pobre na metrópole soteropolitana no enfrentamento da varíola no Brasil, evidencia o papel de Nanã como a propulsora da saúde para tais populações.[4]  

            A produção de saúde e o combate ao HIV/AIDS pelos Terreiros encontra relevância  civilizatória, extrapolando assim, as atribuições apenas ou tão somente como locus onde se exercem  categorias do jargão da política assistencial vigente em que caridade, acolhida e solidariedade, circunscrevem-se a espaços religiosos, bem como da prática da chamada medicina alternativa.

            O terreiro configura-se como um equipamento civilizatório no qual reside todo um projeto de existência amalgamado na diáspora, mediante as invariáveis(Honrat Aguessy citado por Luz, 1983) culturais dos grupos étnicos desenraizados e desterritorializados do hoje continente africano. A concepção de Ser Humano, da Vida ou da Existência no que tange ao Todo, tanto dos princípios cósmicos, como dos princípios éticos de acordo com Sodré (1988, p. 108) convertem-se em “forças aglutinadoras e de solidariedade grupal”,[5] de forma a potencializar, cuidar e engendrar a Vida e nunca diminuí-la sob nenhum pretexto ou ameaças. Nos terreiros estão implícitos e explícitos uma pedagogia da vida  e não da morte, de cujo potencial  incide seja no combate ao HIV/AIDS, Tuberculose e Hepatite Virais, sobremaneira.         
                                   

Proposta de texto elaborado
por Jayro Pereira de Jesus
e-mail: jaypjesus@hotmail.com



[1]MORIN, Edgar. Cultura e barbárie europeias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 73
[2]DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.p.  51.   
[3]LOPES, Fernanda. Mulheres Negras e Não Negras vivendo com HIV/AIDS no Estado de São Paulo: Um estudo sobres suas vulnerabilidades.  2003. 175 f. Tese (Doutorado) – Departamento de Epidemiologia, Faculdade de  Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
[4]Cf. SOUZA JUNIOR, Vilson Catetano de. Iya Agba Yin, A Mãe mais Velha. Disponível <http://vilsoncaetanodesouzajunior.blogspot.com.br/>. Acesso em: 17 out. 2012.
[5]SODRÉ. Muniz. O terreiro e a cidade: A forma social negro-brasileira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988.