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5 de dez. de 2014

Relatos de experiência entorno da Afrobioética


Na terça-feira, terceiro dia de Didá-Ará, iniciou com relatos de experiência de ações e questões de comunidades de matriz africana de diferentes localidades do Brasil. Iyalorixá Torody do Ilé Àse Ala Koro Wo, no Rio de Janeiro, trouxe a experiência de sua comunidade com a comunicação a partir da criação de uma rádio comunitária, bem como  a fundamentação desta ação a partir da tradição de matriz africana. Segundo a Iyalorixá, muitas coisas que existem hoje nossos ancestrais já faziam, de outras formas, mas já faziam. É fundamental, portanto, que mantermos estas ações. Uma delas é a comunicação. Na tradição de matriz africana temos vários instrumentos de comunicação no Aiyê e no Orun, do Aiyê para o Orun ou vive-versa. Ibiri, Xacará, Ogué, Okutá, Ekó, Abará, Mokan, Okun são todos instrumentos ancestrais de comunicação, são todos comunicadores. Assim é fundamental que as comunidades de matriz africana também atuem na comunicação, informando uns aos outras transmitindo o Asè e informando, reproduzindo, multiplicando e exercendo a tradição, ainda mais, num contexto em que as telecomunicações estão dominadas por aqueles que difamam nossa forma de ser e vivenciar nossas práticas.

Babalorixá Jorge Kibanazambi do Ile Àse Ayra Kinibá, do Paraná, expressou-se quando a dificuldade que hoje os terreiros tem de cultuar a tradição, tendo em vista que cada terreiro é como um quilombo urbano, ou seja, cada vez mais somos sitiados e impedidos de desenvolver nos práticas de vida. Baba Kibanazambi denunciou a recente intenção de criação de uma lei, em nível nacional, para impedir a sacralização de animais.  O Babalorixá ressaltou também o poder que cada terreiro que cada  Iya e Baba tem, pois somos muitos, é precisamos nos pronunciar, precisamos falar para que parem de nos colar nas periferias, de nos isolar; para que parem de criar dificuldades para manutenção de nosso pode de vida, de nosso sagrado, visto que impedir eles nunca conseguiram, pois  a tradição sempre existirá. Para que possamos falar, temos que deixar as vaidades de lado, pois quando o Estado, os brancos, os outros, falam da gente eles usam o coletivo, “esse povo do candomblé”, diz o Babalorixá. Assim,  não adianta agirmos “só na minha casa”, temos que agir enquanto coletivo, somos responsáveis pela manutenção da tradição na forma como tem que ser. Para Baba Kibanazambi “a guerra existe e não podemos mais ficar em cima do muro”.

Ogan Silvestre, presidente da Accuneraa em Roraima, trouxe a preocupação quando a sustentabilidade ambiental de nossas práticas e  quando a qualidade do que temos oferecidos aos Orixás e à nossa ancestralidade. Antigamente os terreiros tinham espaço, criavam suas galinhas, hoje, compramos essas criadas em granja, mas que galinha é essa? Com o que ela foi alimentada? O que ela come? Para o Ogan, nossa saúde, nosso corpo são constituídos pela ancestralidade, sendo fundamental a qualidade do que oferecemos para construção do nosso sagrado. O Ogan finaliza pontuando que o acesso a terra, a territórios, devem ser também entendidos como promoção de nossa saúde em sua complexidade.